Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio! 
Anda tudo a lavrar, 
Tudo a enterrar centeio, 
E são horas de eu pôr a germinar 
A semente dos versos que granjeio. 
Na seara madura de amanhã 
Sem fronteiras nem dono, 
Há de existir a praga da milhã, 
A volúpia do sono 
Da papoula vermelha e temporã, 
E o alegre abandono 
De uma cigarra vã. 
Mas das asas que agite, 
O poema que cante 
Será graça e limite 
Do pendão que levante 
A fé que a tua força ressuscite! 
Casou-nos Deus, o mito! 
E cada imagem que me vem 
É um gomo teu, ou um grito 
Que eu apenas repito 
Na melodia que o poema tem. 
Terra, minha aliada 
Na criação! 
Seja fecunda a vessada, 
Seja à tona do chão, 
Nada fecundas, nada, 
Que eu não fermente também de inspiração! 
E por isso te rasgo de magia 
E te lanço nos braços a colheita 
Que hás de parir depois... 
Poesia desfeita, 
Fruto maduro de nós dois. 
Terra, minha mulher! 
Um amor é o aceno, 
Outro a quentura que se quer 
Dentro dum corpo nu, moreno! 
A charrua das leivas não concebe 
Uma bolota que não dê carvalhos; 
A minha, planta orvalhos... 
Água que a manhã bebe 
No pudor dos atalhos. 
Terra, minha canção! 
Ode de pólo a pólo erguida 
Pela beleza que não sabe a pão 
Mas ao gosto da vida!
(Miguel Torga)
*
Bom dia!
 
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